MEGALOMANIA CARNAVALESCA
ou ONDE ESTARÃO OS 15 MILHÕES
Dra. Mariana Aldrigui — EACH/USP (13.02.2023)
Já se vão alguns anos desde que as prefeituras decidiram inflacionar os números de foliões previstos para os respectivos carnavais, abandonando os milhares para abraçar os milhões. Um, dois, três milhões de foliões… os comentários se seguem de imagens aéreas que, aos olhos leigos e talvez nem tão interessados, demonstram que multidões se aglomeravam nas diferentes festas.
Entretanto, a competição escalou a tal ponto que a cidade de São Paulo decidiu apostar na cifra de 15 milhões de foliões. E este número vem sendo replicado sem muito questionamento, quando, no mundo real, ele é completamente inverossímil.
Consideremos, por exemplo, alguns dados facilmente comprováveis:
a) População residente em São Paulo — 12,33 milhões segundo o IBGE (2020)
b) População residente na região metropolitana — aproximadamente 21,9 milhões segundo IBGE (2020)
c) Segundo a Fundação Seade, 22% dos paulistanos só saem de casa para estudar ou trabalhar (https://www.seade.gov.br/22-dos-paulistanos-afirmam-que-so-saem-de-casa-para-estudar-ou-trabalhar-aponta-pesquisa-2/)
d) Espaço ocupado por pessoas em eventos (segundo o DataFolha) — de 1 a 9 pessoas por metro quadrado. Ver imagem abaixo:
Vamos, então, a algumas análises possíveis:
1. Espaço ocupado
Se as 15 milhões de pessoas forem indivíduos diferentes, portanto 15 milhões de indivíduos, e se assumíssemos uma densidade de 5 pessoas por metro quadrado, em uma avenida cuja largura fosse de 15 metros. Isso implica que a cada 1 metro da avenida, temos 75 pessoas. O resultado é 200 mil metros, ou seja, 200 km, o dobro da distância da Av. Paulista até Campinas ou São José dos Campos.
Para referência, a Marginal Tietê tem 24,5 km e a Marginal Pinheiros tem 22,5. Juntas tem 47 km. Se elas tivessem 15m de largura, seriam 4,25 vezes a distância.
2. Áreas mais comuns
Considerando eventos com público praticamente parado, ou marcha muito lenta, os espaços usualmente utilizados para os blocos estão ilustrados abaixo com imagens e áreas calculadas pelo Google Earth
Em todos os casos não são consideradas as interrupções como árvores, postes, degraus, canteiros, entre outros. Portanto já é uma superestimação da área.
Av. Paulista — na área destacada, com 5 pessoas por metro quadrado: 130 mil pessoas
Rua da Consolação — na área destacada, com 5 pessoas por metro quadrado: 105 mil pessoas
Ibirapuera — na área destacada, com 5 pessoas por metro quadrado: 115 mil pessoas
Largo da Batata — na área destacada, com 5 pessoas por metro quadrado: 68 mil pessoas
Elevado João Goulart — na área destacada, com 5 pessoas por metro quadrado: 85 mil pessoas
Em havendo, hipoteticamente, eventos simultâneos e lotados nas áreas destacadas, teríamos cerca de 500 mil pessoas, ou 3,5% do total estimado de 15 milhões.
Esta leitura nos permite desdobrar a análise da seguinte maneira: supondo que não sejam 15 milhões de CPFs, mas sim a soma do número de pessoas que frequentou os eventos ao longo da temporada — com maior concentração obviamente entre sexta 17/2 e terça 21/2. Mesmo assim, estaríamos trabalhando com cenários impraticáveis.
Dos foliões na cidade, mais de 70% são residentes na RMSP, e participarão em todos os dias do evento. Os 25% a 30% restantes são pessoas de outras regiões, às quais consideramos turistas, sendo que grande parte se hospeda em casa de amigos e parentes.
3. Outros dados
O Metrô de SP divulgou o volume de entrada de passageiros na rede em 2022, e em fevereiro de 2022 foram transportados 42.301.000 de passageiros. Em dias úteis, a média foi de 1,8 milhão de pessoas, em sábados 1,12 milhão e em domingos 632 mil pessoas. É muito improvável que haja modificação neste padrão de utilização.
Em julho 2021, a Uber indicou para a CPI dos Aplicativos que estava com volume próximo ao período pré-pandemia, com cerca de 25,4 milhões de corridas no mês. Em média simples, estamos considerando cerca de 850 mil corridas diárias (sem considerar a variação entre dias úteis e finais de semana).
A ABIH-SP (Associação Brasileira da Industria Hoteleira) estima ocupação de cerca de 55% na cidade, que registra cerca de 42.000 unidades habitacionais (quartos, frequentemente com capacidade para 2 pessoas). Então, podemos estimar que, em hotéis, podemos receber cerca de 50 a 60 mil pessoas no período.
4. Economia
A principal questão sobre usar projeções reais e factíveis está na orientação tanto do planejamento de segurança e bem estar dos foliões e especialmente da gestão dos serviços na cidade, que não deve ignorar todas as outras pessoas que não participam do Carnaval.
É também prudente orientar os empresários em relação às estimativas para que estoques sejam organizados adequadamente, desde a venda por ambulantes até, por exemplo, a previsão de atendimento em farmácias, supermercados, restaurantes, entre outros.
Finalmente, ao trabalhar com números reais, é possível estimar o gasto médio por pessoa e o impacto do evento na cidade, com projeção de retorno aos patrocinadores e arrecadação de impostos.
Conclusões
Estimamos, portanto, que o número de foliões nos blocos de rua em SP sejam 1,5 a 2 milhões de pessoas, no período de 17 a 22/2. Nos finais de semana antes do Carnaval e depois do Carnaval, em condições em que a chuva não atrapalhe, é possível esperar 700 mil pessoas.
Mesmo que somemos as mesmas pessoas em dias diferentes, é muito difícil (para não dizer impossível) chegarmos em 15 milhões de foliões.