Inspirações para São Paulo

Mariana Aldrigui, Dr.
6 min readAug 25, 2019

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Escrito em 07 de abril de 2019.

São Paulo é, sem dúvida, a cidade mais importante do Brasil — é a maior cidade em número de habitantes, é a capital econômica, sedia as principais universidades e centro de produção e disseminação de conhecimento, é centro médico de ponta, e também congrega as mentes criativas de setores como moda, design, arquitetura, arte urbana, sustentabilidade e muito mais.

É também a cidade que mais recebe turistas no Brasil, sejam eles brasileiros ou estrangeiros. A cada ano, pelo menos uma outra São Paulo visita São Paulo. Mais de 15 milhões de visitantes se distribuem entre os hotéis, hostels, casas de amigos e parentes, apartamentos e quartos para alugar. Visitam a cidade pelos mais diversos motivos, especialmente os profissionais — reuniões de negócios, visitas a feiras e eventos, treinamentos, consultas e tratamentos médicos, seminários de atualização, e também para compras, shows, espetáculos musicais e teatrais, campeonatos esportivos, gastronomia, vida noturna.

Ao longo do tempo, muitas cidades importantes no mundo foram consideradas exemplos para a gestão de São Paulo. Nova York talvez tenha sido a mais citada, mas Paris e Londres também estiveram nessa lista. Entretanto, há particularidades da própria São Paulo que precisam ser levadas em conta antes da seleção de um ou mais exemplos a serem seguidos — a dinâmica social, econômica e política da cidade e do país determinam e limitam o desenvolvimento do turismo.

Determinismo local

São Paulo é, por excelência, a capital humana do Brasil. Mas em não sendo a cidade sede do governo nacional, ela deixa de se equivaler a cidades como Londres, Paris, Madri, Roma, Tóquio, Pequim, Johanesburgo, Santiago, Buenos Aires, Lima e Cidade do México. As capitais são, por excelência, espaços de construção e valorização de uma identidade que represente ao mesmo tempo a história, os valores e a visão de um país. Monumentalidade, paisagismo e segurança nas áreas de maior interesse são fatores comuns às cidades citadas. São Paulo, por outro lado, tem os espaços de governo distribuídos e sem vínculo identitário ou turístico. A unidade paisagística se perdeu, e os últimos três anos deram espaço a uma grande degradação do espaço público, com evidente carência de limpeza urbana e ajardinamento adequado. Em termos de segurança, as ocorrências violentas tem caído sistematicamente, mas a percepção de situações inseguras em função do aumento no volume de pessoas em situação de rua é crescente e determinante na formação da imagem na mente de turistas. Some-se a isto o fato de que, internacionalmente, redes de hotéis adquirem pacotes de tv a cabo que incluem uma emissora[1] que transmite apenas programas sensacionalistas detalhando crimes e violência no Brasil — portanto mesmo o turista que não tem planos de vir ao país mas decide observar pela tv o que acontece aqui está sendo influenciado negativamente por imagens que efetivamente não representam o país.

São Paulo é, também, a cidade com maior concentração de famílias em todas as classes sociais, o que garante a diversidade ao mesmo tempo que exacerba as diferenças e desafia a gestão pública, que precisa garantir que todos tenham acesso a condições mínimas equivalentes de serviços, a saber — pavimentação, sinalização, iluminação pública, limpeza urbana, segurança, policiamento, arborização, transporte público e, indubitavelmente, educação e saúde. Ainda que persistam análises que descolam o turismo da realidade social vivida, há que se destacar que é a qualidade de vida e de serviços públicos que consiste em parte significativa da avaliação positiva da experiência. Por exemplo: o metrô de Londres, a limpeza pública das ruas de Paris, o paisagismo de Buenos Aires, a sinalização de Pequim, a ordem coletiva de Tóquio, entre outros.

Priorização política e orçamentária é também uma questão importante — muito embora tenha havido avanço significativo no reconhecimento do papel do turismo no Brasil, especialmente a partir da criação de um Ministério do Turismo (2003), o orçamento das cidades é restrito e a pasta figura entre as que menos recebe, em todos os estados e capitais. A ausência de indicadores claros de retorno a investimento, e também da relação evidente entre melhoria na infraestrutura e aumento de receita com turismo e atividades correlatas acaba atrasando a discussão e a proposição de projetos legislativos favoráveis ao setor. Chega a parecer anedótico que o orçamento total de um órgão como a São Paulo Turismo teve, em 2011, o mesmo valor de uma única campanha promocional da cidade de Nova York, com duração de 6 dias, feita apenas em pontos de concentração de turistas internacionais. Cidades com Nova York, Londres, Paris, Singapura e Bangkok já eliminaram suas estruturas públicas de turismo para incluí-las como diretorias ou gerências estratégias junto aos setores de desenvolvimento econômico e atração de investimentos.

Inspirações possíveis

Há uma coleção de exemplos internacionais que poderiam ser relacionados, com fins de aprofundamento de análise e seleção de estratégias a serem adaptadas localmente.

Diferentes empresas de consultoria, com os focos mais diversos, endossam o fato de que os fatores que combinam qualidade de vida, opções de lazer para residentes, vibração cultural e desenvolvimento econômico garantem o sucesso nos resultados do turismo.

O exemplo mais avançado é Shanghai, especialmente em função de sua proeminência econômica regional e continental e seu papel como sede de eventos.

Na sequência, Toronto, Frankfurt, Mumbai, Guangzhou, Melbourn, Bangkok, Shenzen, Houston, Cairo, Bangalore, Perth, Chengdu, Cape Town.

Em termos de alinhamento de estratégia nacional com reflexo local, os exemplos da Turquia (Antalya), Rússia (St Petesburgo) e Colômbia (Medellin) são os mais ricos para estabelecer as relações entre investimento em eventos, geração de emprego, modificação da estrutura urbana e melhoria consistente na qualidade de vida da população local.

Autoridades dos países africanos reconheceram o papel fundamental do turismo para sanar problemas sociais com reflexos a curto prazo — ao mesmo tempo que demandam ações fortes de educação, saúde e saneamento dos governos e aguardam as prometidas parcerias com a China, empresários do turismo aceleram a qualificação para o trabalho, ampliam a inserção de jovens e mulheres em projetos de valorização da cultura, e reforçam horizontal e verticalmente o papel da cultura e da vida selvagem como fontes de riqueza a serem efetivamente preservadas.

Já os países latino-americanos reforçam a necessidade de aliança intracontinental e aproximação do mercado norte-americano reduzindo as barreiras (vistos, taxas, conexões) e ampliando a oferta de espaços para eventos. Lima superou São Paulo e Santiago, atuando hoje como centro de referência tanto para os latino americanos como para a APEC (Asia Pacific Economic Cooperation).

Cabe lembrar, também, que orientações de organismos como WTTC e UNWTO tem foco na gestão nacional, e nem sempre dão conta das particularidades locais.

Desafios

A gestão pública do turismo de São Paulo não pode seguir a reboque de ideias arcaicas, já testadas e que não trouxeram resultados. Em São Paulo, as ações estratégicas envolvem fazer do turismo o elemento agregador para a atração de investimentos e realização de negócios com todo o Brasil e, se possível, recuperar o papel de líder da América Latina.

Para tanto, os escassos recursos devem ser convertidos em ações efetivas de informação dos pares no poder executivo, identificando as oportunidades de ações conjuntas, e de orientação e esclarecimento dos representantes legislativos. Ao mesmo tempo, deve ser ampliada a presença nos veículos de mídia por meio de notas de esclarecimento e educação da população leiga.

As verbas de promoção da cidade devem ser combinadas com as verbas de diferentes secretarias cujas ações tenham reflexo na divulgação nacional e internacional da cidade, especialmente àquelas que hoje se dedicam às relações internacionais e à atração de capital estrangeiro.

Além disso, a estruturação urgente de um guia de investimentos na economia local, permitindo que pequenos empresários possam se beneficiar da expansão no volume de visitantes, ganhando mais e pagando mais impostos, é algo que pode ser rapidamente elaborado pelos atuais gestores do turismo.

O passo fundamental é diminuir o volume das falas e exemplos repetidos para ouvir profissionais de outras áreas que encontraram alternativas criativas a seus negócios, valendo-se da inteligência disponível, realizando pesquisas profundas que indicaram melhores caminhos a seguir.

[1] A RecordTV Internacional é um canal de televisão brasileiro pertencente ao Grupo Record voltado à transmissão de programação da RecordTV e de alguns programas da Record News, exceto programas independentes, para o exterior. Presente em mais de 150 países, o sinal da Record Internacional é recebido nos Estados Unidos, Canadá e em toda a Europa. Na Europa, é a única TV brasileira a transmitir gratuitamente sem nenhum pagamento de assinatura, em todos os países. Transmissões também em todo o continente africano e ásiatico, com destaque para os países de língua portuguesa. A rede dispõe de nove canais de distribuição de sinal via satélite.

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Mariana Aldrigui, Dr.
Mariana Aldrigui, Dr.

Written by Mariana Aldrigui, Dr.

Travel & Tourism specialist. Keynote speaker on T&T subjects. Tourism researcher at University of Sao Paulo (Brasil).

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